DOR COME: UMA CRÔNICA DA DOR

 (Tomada 3 - De uma vez por todas)

Uma crônica de Cao Benassi

Atualmente

- Olá, Cao!

- Me deixa!

- Uai, pensei que o aperto de saudade que você deu na sua flauta hoje, tinha resolvido o seu banzo?!

- Quem dera fosse fácil assim…

- Ah, Cao… não gosto quando você perde o brilho! Não gosto quando você economiza no verbo!  - Fazer o que, né?!

- Ah… prefiro quando você fica reclamudo de nós, as suas dores preferidas… e antes que você queira negar, você era bem mais legal quando não investia seu tempo nela!

- É, você tem razão!

- Sim, eu tenho! Sabe, Cao, às vezes, todas nós deixamos você macambúzio, mas de todas nós, ela é a única que te pega de jeito, hein?! Estou com pena de você, menino! Há alguma coisa que eu possa fazer por você?

- Não!

- Nada?!

- Hum-hum!

- Nadica de nada?!

- (Aceno com a cabeça, negativamente)

- E o salto tandem, me conta!

- Não!

- Vai, Cao! Coloca pra fora! Isso vai te ajudar! Zera essa história, quem sabe é uma forma de você acabar com ela, de uma vez por todas!

- Sei não!

- Vai… Faz um esforço! Tô aqui, pô! Tô disposta a ser toda ouvidos!

- Huuuuuuum?! 

- Ah, para Cao! Nem tente ser durão! Sei que o coraçãozinho amiudou e a garganta tá como a flauta depois do aperto de saudade que você deu nela!

- Tá bem, vamos lá!


Tô pretérito perfeito 


(Cafungo duro!) 

- Começa assim: me sobrevoa; paira sobre mim! Me olha, seu olhar é profundo! Eu fico inseguro, sabe… falo… falo… falo; 

- E…

- E me ouve… e me olha! Seu olhar é faminto! Desejos se cruzam, línguas se tocam, corpos se incendeiam! 

- E nessa hora não há flores das suas dores, né?!

- Vai bancar a chata?! Já que me encheu, me deixa falar! E só para constar, nessas horas, nem me lembro delas! Voltando ao salto tandem; me envolve em suas asas, me encara, meu olhar penetrante, penetra o seu e seus olhos famintos, me devora, me arrebata, e contra o medo, juntos, subimos, voamos, vamos além das nuvens!

- Nossa, que medo!

- Ah, para! Medo nenhum, simplesmente, voei, rompi com as grades, com a prisão das certezas, também fiz o voo!

- E o que é o voo?

- É o lugar das incertezas!

- E para que elas servem? 

- Para nos fazer voar, ir além, explorar, descobrir, desbravar, conquistar…

- Se decepcionar…

- Também! Então, subimos até o mundo inteiro ficar aos nossos pés! Pairamos! Lentamente, iniciamos o mergulho em head down; nossos corpos giram freneticamente. 

- Que louco, Cao!

- Delicioso, eu diria!

- Continue, por favor!

- Aos poucos, estabilizamos! Ficamos em sitfly. Nossos olhares se tocam, as mãos insanas deslizam pelo corpo, primeiro pelo rosto, depois… ah, o corpo se tornou pequeno para tanto desejo! Me segura forte: passamos para um front slide, que nos faz avançar violenta e prazeirosamente para frente. O tempo fecha, se volta para chuva!

- Ai que medo! 

- Para que o medo?! Guardada as devidas proporções, o medo jamais deve significar uma placa de pare! 

- Mas nem sempre quer dizer siga em frente!

- Discordo!

- Como assim? Não pode significar siga em frente sempre!

- Siga em frente sempre, não, mas siga em frente com atenção!

- Ah, bom! Mas parece que faltou um pouco de atenção sua, né Cao?!

- Por favor, não comece! É melhor eu voltar ao assunto anterior. Bem, a explosão aquosa faz parte do salto! 

- Eu sei!

- Então sabe que é bom! Que é muito bom! Insanamente, passamos a um bellyfly, seguido por backtrak, e depois, por um standup e entorpecidos pelo prazer, voltamos ao head down, e ao sitfly, e ao front slide, e ao bellyfly, e ao backtrak, e ao standup e ao head down, e ao…

- Tá… eu já entendi que vocês entraram num looping extasiante!

- Isso mesmo! E assim, nos preparamos para um swooping perfeito!

- Acho que não foi tão perfeito assim!

- Ah, pára estraga prazeres!

- Esse pouso aí te deixou meio macambúzio!

- Poxa, não tripudia… tô sofrendo! 

- Nós avisamos!

- Tá vendo como você é?!

- E como eu sou, Caozito?

- Má! Deu uma de empata, mas o objetivo era tripudiar com a minha dor! Empatia o escambau!

- Ah, Cao, não sejas injusto! Sim, te avisamos! Você quis voar pro ninho de um novo kalahamsa, por que não se contenta com nossa companhia!

- Ah, basta! Acha mesmo que vocês conseguiram preencher o vazio que só um kalahamsa pode ocupar em mim?

- Pô, Cao, a gente oferece o que a gente tem de melhor e é assim que você nos trata? É assim que você recompensa a gente? Belo companheiro é você! Tá saindo melhor que encomenda!

- Aceita que dói menos!

- Grosso! 


Divagação


- Se vem de fora, a dor devora, a dor devora

- Se cresce e flora, a dor devora, a dor devora

- E se é fruta madura, ela tritura, ela tritura

- Se a cara é antiga, ela mastiga, ela mastiga

- Com ninguém ela discute, só deglute, só deglute

- E se o papo for mole, ela engole, ela engole

- Se é nome ou sobrenome, a dor come, a dor come!


Voltando às vacas magras

 

- Ah, Caozito! Chora não!

- Me deixe!

- Não fica assim! Sei que murcharam as flores da sua esperança, mas… 

- Mas o quê?

- Toma!

- Que isso? 

- Pega!

- Papel pautado? Para partitura? O que vou fazer com isso?!

- O pano para as suas lágrimas!


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