O AMOR MEU CÁRCERE

 Um conto de Cao Benassi

O ar gelado daquela manhã outonal não era frio o bastante para diminuir o calor do amor de Sofia e Lucas, que parecia ser imenso. Ele apaixonado e dedicado namorado, não se conteve ao vê-la adentrar à pequena igreja vestida de branco, guiada pelo irmão mais velho, como o mais belo e puro anjo de todo o céu. As promessas sussurradas no altar, de amor eterno e incondicional, por algum tempo, ecoavam em seu coração. Apesar da vida simples, eles construíram um lar cheio de momentos que viraram memórias. A vida e o seu lado prático faziam com que Lucas, um representante comercial, saísse diariamente para o árduo trabalho, levando consigo o beijo de Sofia como sua maior motivação para voltar para casa.

Os anos passaram. A vida de Lucas, antes preenchida pela necessidade da partida para o trabalho, pelo amor que continha o beijo e o abraço de Sofia que o fazia retornar saudoso,  aos poucos se transformou numa enfadonha rotina entre a casa e a amada, as estradas e os hotéis. Sofia, em casa, cuidava da filha Aurora, fazia milagres com o pequeno orçamento que Lucas disponibiliza para elas e esperava ansiosamente por suas ligações no fim do dia. O retorno de Lucas, agora sempre cansado, era marcado, às vezes, por longas discussões. Um dia, num de seus retornos, ao discutir, Lucas jogou alguns papéis para o ar e depois foi se deitar, deixando os papéis espalhados pela sala. Um deles chamou a atenção de Sofia.

Sofia apanhou o papel e o olhou confusa. Era uma conta de energia com um endereço desconhecido em uma cidade vizinha. Por que diabos, aquela fatura, estava no nome de Lucas. Um pressentimento doloroso apertou seu peito. Sofia lembrando do homem com o qual se casou e no homem ele havia se transformado, deixou uma lágrima escapar de seus olhos. Nisso, percebeu que Aurora se aproximava chegando da escola. Enxugou o rosto e voltou aos seus afazeres, auxiliada pela filha que notou que ela não estava bem. Os dias se passaram, mas Sofia não conseguia tirar aquela história da cabeça. Com o coração em frangalhos, ela decidiu confrontar a verdade, dirigindo o carro por horas, com a esperança de que fosse apenas um engano.

Ao chegar no endereço da fatura, Sofia constatou que se tratava de uma casinha simples, porém bastante idêntica à que ela e Lucas um dia sonharam construir. O portão estava aberto, e uma melodia infantil soava se fazendo a trilha sonora de um momento em família, que a tempo ela não presenciava em sua casa. Sofia se aproximou e viu Lucas no quintal, empinando uma pipa com um menino de cabelos castanhos que o chamou de papai. De uma janela, uma mulher loira, com um sorriso amoroso no rosto, os observava da janela. As lágrimas banharam-lhe o rosto e ao constatar que a promessa de amor eterno de Lucas para Sofia era, na verdade, uma promessa para duas famílias, soltou um grito ensurdecedor.

Lucas ao ver que Sofia os observava, ficou imóvel olhando-a de longe enquanto argumentava "não é nada disso que você está pensando! Não é nada disso!” Uma tristeza profunda se apossou de Sofia. Como isso podia ter acontecido, aquele Lucas, o namorado devotado, que um dia a levou para o altar e prometeu amá-la para sempre, pai e marido de outra família? Como poderia ela suportar isso? Sofia deu meia-volta, entrou em seu carro, abaixou a cabeça como quem via a vida passar diante dos seus olhos. Um ódio insano tomou conta do ser e fez seu pé afundar o acelerador com uma força que jamais pensou ter, fazendo o carro avançar sobre Lucas e arrastá-lo até ser parado pela parede frontal da casa que juntos eles sonharam construir.


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