PESAR N. 15
PESAR, ANO 2, N. 15, MAR. 2025
Estamos no mês de março de 2025, e para continuar as nossas reflexões sobre o tema deste ano, que é foco e interesse, retornaremos às últimas ponderações realizadas no número 14, relativo ao mês de fevereiro.
Afirmamos que não somos ensinados a desenvolver interesse e a focar em coisas elevadas, e que normalmente, os nossos interesses e focos estão voltados para os modismos, as correntes e os gostos de massa. Assim, nos deixamos ser manipulados e essa manipulação, na grande maioria dos casos, sequer é percebida.
As formas-pensamentos que povoam nossas mentes são colhidas no meio e plantadas na alma humana por meios cada vez mais explícitos, porém dificilmente percebidos, dada a nossa própria ânsia em nos tornarmos iguais, pertencentes e aceitos.
Para nos tornarmos iguais, pertencentes e aceitos, na maioria das vezes, apagamos a nossa real identidade e deixamos fragmentar nossa essência, e tal qual uma colcha de retalhos, passamos a nos definir por fluxos de identificações.
Esses fluxos de identificações não possuem fixidez, nos deixando instáveis em relação ao nosso eu: sem uma identidade, o ser se perde entre os fluxos de identificações ficando sempre com uma sensação de vazio existencial, tal como um barco à deriva ou sem um porto para o qual voltar.
Existe uma parábola, muito interessante, que vale a pena expor aqui para exemplificar o processo no qual o indivíduo se submete a um apagamento de sua identidade para tentar se prender aos fluxos de identificações, sem sucesso.
A parábola da qual falamos é a do cuco. Ele é um pássaro que não constrói ninhos. Ele põe seus ovos nos ninhos de outras aves, na ausência delas. Normalmente, essas aves chocam e cuidam dos filhos do cuco, como se fossem seus.
Algo cruel acontece na relação do filhote do cuco com os filhos da ave dona do ninho: o filhote do cuco, por ser maior e mais forte, acaba por derrubar os filhos da ave dona do ninho e ele fica sendo cuidado como filho pela mãe postiça.
Este processo é muito parecido com o que acontece quando o indivíduo abre mão de sua identidade para assumir os fluxos de identificação: as opiniões são plantadas na sua mente e ele as faz germinar e crescer, sufocando aquilo que poderia ser suas próprias opiniões.
Nisto está explícito a ação da lei universal do gênero: sendo o aspecto mental masculino incapaz de gerar opiniões, o feminino as busca no meio e as gesta, fazendo com que o indivíduo acredite que esses opiniões bastardas, são originalmente suas.
Para sustentar e manter vivos os interesses que essas opiniões suscitam, a mente cooptada do indivíduo voltará ao meio, às massas, às modas e às correntes, assim alimentará e manterá seu foco em tudo que lhe for mostrado ou sugerido.
O indivíduo passa a vestir as máscaras que lhes são ofertadas, ainda que isso implique na traição de todos os seus valores e virtudes. Sabedoria não existirá, pois a mente do indivíduo foi cooptada e não lhe permitirá a reflexão.
Como não lembrar do mito da caverna de Platão, na qual os amos da caverna são os responsáveis por manter os acorrentados entretidos com o espetáculo das sombras, elementos que são muito sugestivos e podem ser correspondidos em nossa realidade.
Nos nossos dias, para manter ocupadas as massas (que seriam os acorrentados da caverna), os influenciadores, jornalistas, artistas, políticos, juízes e demais asseclas (que seriam os amos da caverna), se posicionam como as mentes pensantes e decidem quais são os interesses e os focos que as massas podem ter.
Nos nossos dias, o desafio é manter o espetáculo das sombras: as narrativas que distorcem a realidade são como a luz do fogo no interior da caverna que produz sombras dos objetos que fora dela existem e são iluminados pela luz do sol.
Aquilo que as massas acreditam ser o que são em essência, não passam de fluxos de identificações desenvolvidos com base numa realidade manipulada pelos desejos de uma pseudo elite que se arroga o direito de pensar e decidir pelas massas.
Normalmente, esses grupos ditos eruditos e intelectuais que compõem essa pseudo elite, sequestram as causas sociais, manipulando-as e com isso, forçam as massas a se moverem de acordo com seus próprios interesses.
São eles, os pseudos eruditos e intelectuais, os amos da caverna atualizados, que dizem como cada grupo de indivíduos da sociedade deve ser. Noutras palavras, são eles quem desenham e fabricam as máscaras sociais que cada um deve vestir.
As massas acorrentadas ao medo de não serem aceitas e ao desejo se igualar, matam a sua capacidade mental de criar sua própria imagem, aceitando passivamente a imagem que lhes são impostas, nisto não há e nem pode haver valor.
Para encerrar este nosso número, vale lembrar as palavras da professora e filósofa brasileira Lúcia Helena Galvão, que afirmou: “a maior coragem não está em usar máscaras para se encaixar, mas em retirá-las para ver sua verdadeira face.”
Este texto foi produzido por Cao Benassi
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