CONTOS DE TERREIRO - N. 2

 REVELAÇÃO DIVINA

Aquela segunda-feira seria só mais uma segunda-feira como outra qualquer, de muito trabalho, muito cansaço e muita dedicação do meu filho, apesar do local e do trabalho dele não serem tão favoráveis a manutenção de uma boa vibração - por isto sempre o admirei muito - aquele dia seria mais um dia, se não tivesse acontecido a história que vou contar agora para vocês. 

Toda noite de segunda-feira, era noite de engira de Esquerda e de Pretos-Velhos no terreiro e já fazia um certo tempo que o filho não faltava a este compromisso. O dia no trabalho não foi dos mais fáceis, mas o filho não cedeu à influência das baixas energias e se manteve sereno durante o dia todo. 

Na volta para casa, levou uma fechada e por muito pouco, o incidente não terminou com um motociclista atropelado. Mazelas à parte, o filho chegou ao terreiro com bastante antecedência. Bateu a cabeça, cumprimentou as Mães e aos Pais, e ainda, colaborou com os afazeres pré-engira. 

Defumação feita, a Mãe Maior iniciou a retirada de Exú. Após os rituais de louvação a Exú e do despacho da Porteira, fez uma sessão de orientação e doutrinação, e na sequência, selecionou os médiuns que trabalhariam no aconselhamento espiritual. A engira de Exú Entidade foi aberta. Primeiramente, os médiuns do atendimento incorporaram seus Guias e após, todos os médiuns em desenvolvimento fizeram o mesmo.

Dei atendimento com meu filho para várias pessoas, mas o principal atendimento daquela noite, ainda estava por acontecer. Um consulente, há vários meses estava inquieto com uma determinada situação, que depois de esperar por uma resposta divina que não veio, decidiu que iria à macumba para tirar a "história a limpo"! 

Todos os consulentes foram atendidos e a Linha de Trabalho seria virada. A Mãe Maior se aproximou do filho e me disse:

- Salve Compadre! Gratidão pelo trabalho na prática do amor e da caridade! Irei virar a Linha para Preto-Velho, peço que o Senhor fique um pouco mais conosco: ainda há trabalho para o Senhor realizar!

Eu disse à Mãe que iria pedir à ela para continuar em terra e agradeci à permissão de continuar esperando o consulente chegar. A Linha foi virada e no meio do atendimento com os Pretos-Velhos, enfim, o consulente chegou. Ele se mostrava bastante ressabiado, porém ao passar pelo acolhimento, se tranquilizou. 

O Cambone o conduziu até o local onde estava o filho incorporado comigo. Ele se sentou e foi logo querendo falar. Fiz, por meio do filho, um gesto de acolhimento e pedi para que ele tranquilizasse a sua mente e apenas se concentrasse naquilo que o trouxera até a seara. 

Fiz, ainda, por intermédio do filho, a leitura energética dele e, em seguida, dei um passe energético descarregando as energias negativas e repondo com energias positivas, que o levou a fechar os olhos e suspirar aliviado. Sentindo-se mais à vontade, o consulente me disse:

- Seu Exú, é assim que fala né?! Eu sou evangélico…

- Eu sei filho! Pode me chamar de Seu Exú ou não me chamar de nada, não importa. Aqui, a sua religião também não importa, filho: o que importa é nós trabalharmos para que o seu espírito fique bem… e em paz! 

- Eu não queria chegar a esse extremo, ter que vir na… ter que vir aqui… mas eu não aguento mais, preciso de uma resposta!

- Ter que vir na macumba… filho? Pode falar, não tem problema. Eu sou o Senhor Morcego, prazer! E você é o João da “Oficina Paulista”, marido da Pastora Felícia, me corrija se eu estiver errado!

O consulente ficou boquiaberto e sem reação, pois no acolhimento havia dado o nome de Marcelo, na tentativa de não deixar muitos vestígios de sua passagem pelo terreiro. Expliquei a ele que me fora permitido, pela Espiritualidade Superior, saber de todo o ocorrido, o que lhe assustou ainda mais. 

Meses antes da visita de João ao terreiro, o Pastor Oliveira havia feito uma revelação profética num dos cultos. Segundo ele, o Espírito de Deus havia revelado que a Pastora Felicia havia sofrido um ataque de um certo "Demônio” chamado Exú Morcego! E para provar pediu a Diácona Mariluce que levantasse o cabelo da Pastora para que fosse exibido o chupão!

João desconfiou da profecia e a dúvida lhe corroeu o coração. Por algum tempo, orou e pediu a Deus a confirmação de sua dúvida. Porém a resposta não veio e, apesar de ter dedicado toda atenção possível para pegar a esposa no flagra, a única coisa que conseguiu, foi aumentar sua dúvida e seu desconforto em relação a esta história. 

Olhei, por meio do filho, firmemente o consulente e dei a ele o que ele viera buscar na seara. Confirmei que o Pastor Oliveira e a Pastora Felícia, sua esposa, tinham um tórrido romance. João envermelheceu-se todo! Eu entendendo o ódio que ele estava sentido, o aconselhei:

- O ódio é a lente que tira a visão de nossa razão, e também, da nossa consciência. Não precisa acreditar em nada do que eu te disse! Esteja na sua casa às 15h, da próxima quarta-feira, e veja com os seus próprios olhos!


Um conto de Cao Benassi - Direitos autorais reservados

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