CARA METADE: O CUPIDO E A OUTRA METADE DO POEMA

Já fazia um certo tempo que eu não publicava nenhum poeminha meu, no Facebook. O mais comum, era eu receber comentários depreciativos sobre a minha escrita. Enfim, mesmo que eu soubesse que o início de qualquer poeta, não era fácil, eu não estava mais disposto a continuar passando por isto. 

Mas como as verves não me paravam de vir às veias, eu não resistia as suas punções, um ou outro verso, aqui ou acolá, sempre ficava registrado. Numa dessas, me veio um poema que acabei publicando, pois achei que foi um dos melhores poemas que compus até então… acabei ficando muito orgulhoso destes meus versos:

As verves que vêm ao meu coração
Derramam e inundam as minhas veias
Como aroma doce dos frutos da paixão 
Seleto perfume que minha alma incendeias
No teu colo deitado digo adeus à solidão
Felicidade, oh destino: para sempre encadeias 

Os meus raters adoraram e, como se diz no linguajar popular, caíram matando… Foram tantas críticas que jurei não publicar mais nenhum poema meu, ainda que eu o considerasse muito bom. Afinal, poderia ser apenas uma percepção minha que podia não corresponder à do público. 

Passou algum tempo sem que eu publicasse nada, melhor dizendo, sem que eu não escrevesse nada. Estava tão gorocotchô com a recepção dos meus poemas, que acabei suprimindo o meu desejo de escrever. Certo dia, enquanto esperava o meu ônibus chegar, peguei uma papeleta e escrevi quatro versos, formando um poema de versos livres, numa única estrofe. 

Li e reli aquele poema. Ao mesmo tempo que o achei lindo, tive um sentimento de repulsa. Peguei a papeleta e a rasguei ao meio. Olhei as duas metades da papeleta nas minhas mãos, juntei-as e li novamente o poema. Nisso, o meu ônibus chegou. Amassei uma das metades e deixei cair enquanto subia nos degraus da porta do ônibus. 

Sentei-me à janela e pus-me a observar a paisagem urbana que passava, à medida que o ônibus avançava rumo ao meu bairro. Meu pensamento voou e um sentimento misto de angústia e tristeza tomou conta de mim. As lembranças das dificuldades que enfrentei ao longo da vida, ainda me torturavam. 

Suspirei fundo! Olhei a outra metade da papeleta do meu poema; ah! como eu queria ter minha poética aceita pelo público. Com um certo amargor, amacei-a e atirei pela janela do ônibus. Puxei a campainha, o ônibus parou, eu desci e fui para casa. Mal sabia que destinos tinham sido selados por meio daquele ato meu. 

Alheio ao meu descontentamento, Márcio encontrou a metade da papeleta que continha minha assinatura, na qual estava também escrito:

Quero olhar nos teus olhos,
e ver a minh'alma refletida em você…
Quero olhar nos teus olhos,
e ver meus filhos que ainda irão nascer…

Por ter achado os versos bonitos, Márcio decidiu guardar na carteira aquela metade do poema. Juliana que também ignorava a minha decepção com a recepção dos meus poemas, encontrou a outra metade do meu poema. Por ter se encantado com o verso, acabou guardando em sua carteira. 

Meses depois, numa lotérica, Márcio, ao retirar o dinheiro da carteira para pagar um boleto, inadvertidamente deixou cair sua metade do poema. Juliana que estava atrás dele, cortesmente, apanhou e a entregou a Márcio, no entanto, não deixou de perceber o teor da mensagem que continha aquela filipeta de papel. 

Márcio a agradeceu e disse a ela que havia encontrado há um certo tempo, e tinha guardado pois achava muito lindo aquele versinho. Neste momento, Juliana disse a ele que alguns meses atrás, também havia encontrado uma filipeta de papel, muito parecida a de Márcio e que também, tinha um versinho escrito. 

Ele pediu para ver a filipeta de Juliana. Ela também exibia as marcas de uma rasgadura, tal qual a de Márcio. Os dois se olharam admirados: estranhamente as duas metades ao serem aproximadas, mostravam ser partes de uma única papeleta, que dizia: 

Quero olhar nos teus olhos, nos teus lindos olhos de mar,
e ver a minh'alma refletida em você: quero ver o meu sol resplandecer
Quero olhar nos teus olhos, nos teus lindos olhos de mar,
e ver meus filhos que ainda irão nascer: e ver refletir os raios do nosso alvorecer

Maravilhados, Márcio e Juliana acreditando terem sido escolhidos pelo universo para serem um, trocaram contatos e a partir daquele dia, iniciaram um feliz namoro. O tempo passou e uma coisa ainda intrigava ao casal: mesmo tendo procurado na internet, insistentemente, não encontraram nenhum poeta chamado Maju. 

Pouco antes de completar dois anos de namoro, para a felicidade do casal que já planejava se casar, o primeiro filho já estava a caminho. O casal já havia decidido que caso a gravidez resultasse no nascimento de uma menina, o nome dela seria Maria Juliana e que ela seria chamada carinhosamente de Maju. 

Com a proximidade do casamento, o casal alugou uma kitnet e quando foram realizar a limpeza, para que o local pudesse receber a mobília e se tornar, enfim, o lar-doce-lar do casal, acabaram batendo a porta do vizinho para pedir se era possível ceder a rede wifi para que pudessem pedir um lanche. 

Acesso concedido, Márcio pediu o lanche e os três se puseram a conversar. O tempo passou sem que eles percebessem. No meio da conversa, Marcos Júlio perguntou como o casal se conheceu. Entusiasmado, Márcio contou a ele todo o enredo do versinho achado e de seu encontro com Juliana.

Discretamente, uma lágrima escorreu por um único lado da face de Marcos Júlio. Ao ser indagado sobre o motivo, o Maju do poema “No teu olhar”, revelou ao casal ser o autor do poema que os uniu. Os três se abraçaram e Juliana emocionada disse:

Nosso filho se chamará Marcos Júlio em sua homenagem!


Um conto de Cao Benassi - Direitos autorais reservados




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