PASSAGEM
Acordei no chão. Estava sujo, rasgado (roupa e carne) e desnorteado. A chuva caía fortemente sobre meu corpo, que doía muito! Estava tudo escuro à minha volta, e para meu desespero, não havia ninguém à minha volta. A forte chuva já tinha me lavado o rosto, quando finalmente eu consegui me levantar.
O peito doía, como todo o meu corpo, porém um pouco mais. Pensei: "devo ter quebrado algumas costelas". Constatei ainda que meu braço direito também estava quebrado, além de quase não conseguir ficar em pé, o que me indicava problemas nas minhas pernas.
A escuridão não permitia que eu visse quase nada, apesar do meu esforço: "que dor de cabeça infernal!" O que poderia ter me acontecido? Eu não conseguia me lembrar de nada. Consegui ver, ao longe, uma pequena luz piscar: "o que poderia ser?" Finalmente, decidi me arrastar até lá para averiguar: podia ser alguém que pudesse me dizer o que estava acontecendo.
- Meu Deus, onde estou? O que foi que aconteceu? Não suporto essa dor… Aqui suplica um filho teu! Meu Pai tendes piedade de mim! Tendes piedade: não me deixe assim!
Enquanto praticamente eu me arrastava para tentar chegar a luz que piscava ao longe, um forte raio caiu nas imediações, iluminando todo o local. Apesar do meu estado, consegui ver que a luz que piscava ao longe, era do farol do meu carro que estava destruído próximo a uma árvore.
Não resisti ao ver aquilo. Foi como se uma grande massa férrea caísse sobre meu corpo e o esmagasse por completo. Soltei um grito, que de tanto desespero, soou silencioso na escuridão que voltou a encobrir o cenário. Joguei-me desolado ao chão e durante um certo tempo, quanto eu não sei precisar, o que se ouviu foi o barulho da chuva, dos trovões e raios, misturados ao meu soluçar de dor.
Aos poucos, a pesada chuva que caía no local foi dando lugar a um leve chuviscar. Os trovões cessaram e os relâmpagos apagaram suas luzes. Para mim, naquela altura dos acontecimentos, já não fazia muita diferença. Aos poucos, comecei a ouvir os pequenos bichos da noite começaram a fervilhar por baixo das folhas secas e molhadas.
Avesso aos noturnos pequeninos, comecei novamente a pensar em como sair dali. Abri os olhos e comecei a notar algo muito estranho: meu corpo estava levitando acima do chão. A princípio, não entendi nada. Quando ia soltar um grito de pavor, consegui ver algumas pessoas ao meu redor, embora não conseguisse identificar nada além de silhuetas.
Pensei comigo mesmo: "devo estar delirando por causa da dor", quando ouvi uma voz serena e suave me dizer:
- Estamos aqui, querido irmão, tenhas calma! Viemos em auxílio, a dor está sendo curada! Deus é contigo irmão, não aflijas a tua alma! Uma nova vida para ti, já está preparada!
Ao ouvir estas palavras, a minha tristeza e o meu desespero, curiosamente, foram se aplacando. Eu não queria acreditar que tudo aquilo tinha acontecido comigo. Aos poucos as memórias foram voltando… a chuva, a curva, a derrapagem: meu Deus… o capotamento! Eu… eu… eu…
- Não, eu não morri… Isso não aconteceu! Isso é só um sonho, que a noite escura teceu!
- Querido irmão, tenhas calma… A tua vida não… não acabou! Hoje aqui para tua alma: um novo ciclo começou!
Eles deram as mãos formando um círculo ao redor de mim e uma luz que saia da testa de cada um deles, descia até os braços e circulava ao redor de mim, fazendo com que aquele descontentamento, aquela tristeza que estava quase, já virando ódio por eu ter morrido no acidente, fosse lentamente desaparecendo.
Fechei os olhos. Simplesmente, só queria sentir aquele alento que me abraçava… que me envolvia. As dores já não me incomodavam mais… De repente ouvi ao longe, uma voz terna, carinhosa, conhecida… eu não podia acreditar… abri os olhos e as lágrimas jorraram torridamente…
- Venhas carinho, sejas bonzinho… Que bom remédio, te venho dar! É natural, não é amargo, é especial e vai te curar… e vai te curar!
Mal podia acreditar que finalmente, eu tinha encontrado mamãe de novo. Olhei-a com carinho, mas não consegui dizer nada. Mamãe enxugou o meu rosto e se juntou ao grupo, dando as mãos a um senhor bem velhinho, magrinho, que disse a ela: "vamos levá-lo para Nosso Lar! Essa é a ordem do Gestor da unidade de tratamento espiritual!"
- Eia alegres, filhos da Luz regozijai… Eis completo o trabalho do bem! Eia avante, filhos da Luz avançai… Eis ao Lar, ao retorno, vem!
Um conto de Cao Benassi
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