DOR COME: UMA CRÔNICA DA DOR
(Tomada 1)
Uma crônica de Cao Benassi
Atualmente…
- Você é uma dissimulada!
- Dissimulada, eu?!
- Sim, você mesma!
- Faz tempo que você sabia… ou pelo menos, desconfiava de quem eu sou! Eu sempre fui eu mesma!
- Dissimulada sim-se-nho-ra… Eu posso provar!
- Eita… tá bom! Então… vamos lá! Comece, sou-to-da-ou-vi-dos!
Mil novecentos e antigamente…
- Olá!!! Tudo bem Cao?!
- Eu… eu… eu acho que não! Minhas mãos estão assim, ó… ardendo, coçando, descamando… Olha a vermelhidão… e os meus pés!
- Prazer eu sou…
- Pai, olha as minhas mãos… tá doendo!
- Ah… isso logo passa! Se não passar, vai ter que ver…
- Mãe, olha…
- Meu Deus menino, o que você fez?! Onde você colocou essas mãos?!
- Do jeito que esse guri é… vai vê que estava mexendo com o que não devia!
- Mas menino… peraí que vou fazer um chá de tanchagem pra você… logo, logo você vai ficar bom!
- Já vem você com os seus chazinhos!
- Larga de ser ignorante, homem! O que Deus não cura, um chá resolve!
Atualmente…
- Viu como você é?! Você sempre foi assim… nunca, até agora, eu soube quem de fato você era… sempre aparecia…
- E…
- E.. nunca dizia quem era!
- Claro, você nunca deixou!
- Nunca deixei… fala sério!
- Nunca deixou mesmo… sempre que eu me expressava, você não me deixava falar… você sempre deu o meu direito de fala aos outros… nunca a mim!
- Ah, blá… blá… blá… desculpa sua!
- Tá, continua… você Cao… Caozito meu cônjuge perfeito, vai concluir que no fundo, lá… bem no fundico, você sempre soube quem eu era!
- Hum!
- Ou pelo menos desconfiava! Admita… vai?!
Mil novecentos e qualquer coisa…
- Menino, que dedo vermelho é esse?
- Ah, vó… não sei… só sei que dói muito…
- Você tá com panariz…
- Credo… o que é isso, vó?
- É inflamação, filho! Ainda bem que é só um… isso seca o dedo!
- Misericórdia , vó!
Divagação…
- Gente tô ficando impaciente
Essa dor é persistente
Às vezes, é intermitente
Incha o dedo e deixa quente
Come o que vê pela frente
Come a língua e come o dente
Qualquer coisa que a alimente
Come tudo no ambiente…
Mil novecentos e bolinha…
- Wande, pega esse menino e leva ele na farmácia da rua… ele precisa de um remédio!
- Amanhã ponho ele na bicicleta e levo… essas mãos… olha os pés… agora tem mais essa dor nas costas…
- Isso é dor de rim, pode ter certeza!
- Será… mas e seu chá de quebra-pedra… não deu em nada?
- Claro que não deu! Vai vê que já virou pedra.. e tá é grande!
- Mas… o chá não é de quebra-pedra… por que não funcionou, então?
- Ah… homem, não complica!
- Pessoa-al, eu tô aqui-i! Oi Caozito, meu amor… coisa linda da minha dor!
- Ai… minha costas tá doendo… eu não aguento mais!
- Se você me escutasse Caozito querido, você saberia que interajo com sua coluna!
- Nê, faz um chá de alfavaca pra esse guri!
No outro dia na farmácia…
- Hum… a pressão está muito alta pra idade dele… vamos ver o peso, suba na balança.
Momentos depois…
- Pai, a criança precisa perder peso: 50 quilos para dez anos… é muito. Eu vou passar Furosemida que deve ajudar na pressão e nos rins… que podem estar com problemas.
Atualmente…
- Se você prestasse atenção em mim, não…
- Não o quê?
- Poxa, nem mesmo hoje, depois de quase 40 anos, você ainda não quer entender o que está claro como "esse luz que me alomea"!
- Epa… me deixar de cama, inabilitado, inflamado, inchado, vermelho, quente, seco e com dor, vai lá… mas usar meu bordão, é golpe baixo… aí já é demais!
- Seu não… nosso bordão! Nem mesmo depois de tanto tempo, você percebe que somos um só, Caozito, meu lindo… meu tudo… razão da minha dor!
- Ham… não aguento isso não! Sempre dando uma de superior!
Mil novecentos e quase dois mil…
- Caozitoooooooooo!
- Eu não quero mais saber de você!
- Caozito, meu amor, meu tudo… lindo alvo da minha dor!
- Me deixa…
- Caozito, olha o que eu fiz pra você-ê!
- Meu Deus guri, vai pentear esse cabelo, já!
- Não aguento, pai!
- Tá com frescura… vai logo!
- Não dá, olha… meus dedos racharam… tá doendo muito!
- O que a gente vai fazer com você, heim… Nenê, penteia o cabelo desse guri!
Alguns meses depois…
- Isso deve ser castigo de Deus!
- Pra que falar assim de seu neto?! O que o menino fez?
- Ah, mulher… pode ser pecados dos troncos véios… vai saber os mistérios de Deus!
- Eu não queria me intrometer não… mas esse daí… hum, preguiça pura! Isso é pra não trabalhar… vagabundo, isso sim! Vai crescer assim, casar e se encher de filhos pro meu irmão sustentar…
E eis que num natal…
- Caozito-o!
- Sai peste!
- Não me trate assim!
- Sai miséra…
- Caozito! Eu sou o amor de sua vida!
- Amor?! Você é desgraça da minha vida, isso sim!
- Óóóóóóóóóóó! Não fale assim comigo…
- Meu Deus filho… tá feio o ácido-úrico…
- Não tô conseguindo nem abrir a mão direito… tudo rachado! Doí muito… não aguento de dor nas costas… dor nos dedos…
- Você precisa parar de comer tomate - meu filho; carne vermelha; tudo que tem ácido; tem que abaixar isso!
- Caozitoooooooooo… acredita não!
- Até meu joelho tá inchando… tá doendo muito… não aguento mais!
- Tem que parar de comer laranja e essas coisas ácidas que você come, meu lindo!
- Tá bom, Tia!
- Meu Deus… ele não me escuta!
- Escuta o tio… aproveita que teu pai vai matar uma vaca pro natal e já faz o tratamento do bucho…
- Amor da minha vida… você não vai fazer isso, vai?!
E na véspera de natal…
- Wande, tem que ser na hora que tirar o bucho da barriga dela… faz um corte e enfia as mãos dele dentro! Deixa lá por uns dez minutos… depois tira e coloca umas meias e deixa secar!
- Oh-meu-Deus! Ca-o-zi-to-a-mor-da-mi-nha-dor… Você não vai fazer isso, vai?!
- Ai… eu não quero fazer isso!
- Até que enfim, ele meu deu ouvidos! É isso mesmo garoto… não faça mesmo!
- Cao… vem cá!
- Não pai… eu não quero fazer isso, não!
- Caozito… não vá!
- Não pai! Eu não…
- Você não tem querer… vem logo!
- Não!
- Você não me obriga a ir aí te buscar! É melhor vir logo!
- Ahhh!!!
Momentos depois…
- Huá!!
- A guri nojento… precisa enguia desse jeito?
- Ah tia Dora… para!
- Pronto! Agora deixa secar… não vai querer provocar mais ainda o seu pai… você sabe como ele é!
Atualmente…
- Adiantou alguma coisa… eu te avisei Caozito!
- Não venha posar de boazuda ou razuda não!
- Boazuda eu sou, Caozito… Desde que cheguei, nunca mais tive motivos para ir embora! Razão, claro que eu que tenho!
- Até hoje… porquê agora, a dissimulação acabou! Agora que sabemos claramente quem você é, podemos atacá-la da maneira certa…
- Ai que meda!
- Pois que tenha mesmo… aguarde as próximas tomadas!!!
- Que assim seja, Caozito! Não entrei nessa para sair por baixo… aguardem pessoal: vocês verão que eu nunca fui dissimulada… isso é coisa da cabeça de Caozito! Se tivesse me ouvido, por meio de bocas certas, ele não estaria no estado que está, com toda certeza! Por esse…
- Ah… não! Meu bordão de novo não!
- Nosso!
- Ahhh!!! Eu vou embora… Fui!!!
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