DESGOVERNO

 A REPÚBLICA DA BANÂNIA E O SAPO CACHACEIRO

Um conto de Cao Benassi

O escaldante sol de Cuiabrasa, cujas boas línguas davam conta de existir um para cada cuiabrasano, não era nem de longe, páreo para o calor infernal que emanava do Palácio do Pranalto, especialmente quando o anfíbio-chefe, o Sapo Cachaceiro, iniciava mais um dia de "trabalho". Seu nome, Egresso Etílico, era uma ironia amarga para a nação, que via sua economia encalhada como um girino no meio da lama seca. 

O Sapo Cachaceiro, um batráquio de modos rústicos e fala empolada, quase sempre por aveludadas mentiras, havia galgado os degraus do poder não por mérito, é claro, mas por uma combinação duvidosa de um peculiar e poderoso carisma, e um profundo conhecimento da ensaboada arte de escorregar por entre os dedos da justiça.

Seus dias no Palácio do Pranalto começavam com um "café da manhã" à base da mais pura caninha de alambique, genuíno suco de cana fermentada que ele jurava ser "o elixir da sabedoria popular". A cada gole, a já distorcida visão de mundo do Egresso Etílico se tornava ainda mais embaçada do que normalmente já era, e suas decisões de governo, mais erráticas. 

A primeira medida, nossa de cada dia, era invariavelmente uma nova promessa mirabolante, que era sempre proferida com a voz rouca e quase gutural de quem passou a noite toda num chorinho de quinta categoria, regado a muita aguardente e acompanhado dos mais bajuladores camaradas.

O gabinete presidencial, que nunca antes fora um templo da seriedade política, transformou-se em um boteco de luxo. As costumeiras xícaras de café foram substituídas por imponentes copos nos quais se serviam envelhecida cachaça e o cheiro de álcool era mais forte do que o de incenso que era queimado na tentativa de mudar os odores do local. 

Os ministros do tal desgoverno, em sua maioria, eram sapos de menor porte, ou melhor, para ser justo, parasitas, que giravam em torno do Sapo Cachaceiro como moscas sobre um pote de mel – ou, neste caso, de cachaça mesmo. Em opulentas bajulações, eles se revezavam, competindo para ver quem emitia o mais célebre elogio à "visão estratégica" do Egresso Etílico, o líder embriagado.

Um espetáculo totalmente à parte, eram as suas reuniões ministeriais. O Sapo Cachaceiro, com a língua enrolada, sempre tonta de alcoolizada, propunha ideias tão absurdas quanto a de construir uma estação espacial brasileira na Lua, alegando que "a conexão intergaláctica impulsionaria o turismo espacial e geraria bilhões em impostos", e assim, seria possível equilibrar as finanças da Banânia, também conhecida como Jurislândia, pois a Esbanja e o amor custam caros. 

Os ministros, bajuladores que não faziam questão nenhuma em esconder a bajulação, aplaudiam em coro e com requintado contraponto, a "genialidade" da proposta, enquanto os poucos funcionários sérios do palácio reviravam os olhos em desespero.

A economia, que respondia à batuta do poste-mor da república, poste-mor esse sob o comando do Sapo Cachaceiro, cambaleava como ele próprio após mais uma dose. A inflação inacreditavelmente disparava e o desemprego, como nunca antes na história desse país, atingia níveis estratosféricos e para piorar, o investimento estrangeiro fugia como sapos assustadas por um raio. 

Para isso, o Sapo Cachaceiro tinha sua própria teoria. Assim dizia ele: "A economia é como uma pinga: quanto mais chacoalhar, mais espuma faz, e mais gente bebe". Mas todos sabiam que, infelizmente, a única espuma era da incerteza, e que quem bebia o amargo do prejuízo, no fundo, era o povo mesmo.

Outra coisa era igualmente desastrosa: a política externa da Banânia. O Egresso Etílico  preferia a "irmandade etílica" à diplomacia. Em visitas oficiais a outros países, ele insistia em brindar com líderes estrangeiros, até a última gota, principalmente aqueles que sozinhos ditam e impõem regras, fazem o sol nascer quadrado e botam para quebrar o finado, transformando cúpulas internacionais em competições de bebedeira. 

A Banânia, grandiosa por natureza e desde sempre cagada por políticos, antes ainda “respeitada”, virou motivo de chacota global. Além de ficar conhecida como a "República da Cachaça", ganhou conotação de um pinscher descoleirado latindo histericamente para a maior pitbull já domesticado.

A segurança pública: o que dizer dela? Era um capítulo à parte. O Sapo Cachaceiro acreditava que a solução para a criminalidade era "convidar os bandidos para um copo de ‘prosa’ e convencê-los a mudar de vida". O resultado da desastrosa política era bem previsível: a criminalidade disparou como nunca antes na história desse país, e as prisões, antes superlotadas, passaram a oferecer "programas de reabilitação com degustação de cachaça artesanal".

A saúde, coitada, de tão mal, entrou em coma. Os hospitais careciam de tudo, a única coisa que parecia sobrar, eram as desculpas esfarrapadas do governo. O Egresso Etílico, em um de seus muitos discursos delirantes, sugeriu que "uma boa dose de cachaça é o melhor remédio para curar qualquer maleita, além de ser um excelente desinfetante". Em se tratando de saúde, na República da Banânia, a taxa de mortalidade, para compensar, estava com ótima saúde.

Por sua vez, a educação foi relegada ao limbo. O Sapo Cachaceiro, que não sabia o que era concordância nominal e verbal, além de mal conseguir proferir uma frase sem gaguejar ou tropeçar nas palavras, achava que "escola é perda de tempo; a vida é a melhor professora, e a cachaça, a melhor inspiração". Os professores, que nunca foram devidamente valorizados, no desgoverno se viram ainda mais desvalorizados e abandonavam a profissão, e as salas de aula viravam verdadeiros depósitos de desilusão.

A infraestrutura do país estava em ruínas. Pontes caíam, estradas esburacadas se tornaram armadilhas mortais e o saneamento básico que antes já era ruim, virou luxo para poucos. Contudo, as prioridades do Sapo Cachaceiro, eram diferentes. Seu projeto de maior destaque era a construção de "alambiques estatais" em cada município, o que segundo ele, garantiria o "abastecimento de sabedoria popular etílica" para todos.

Como era de se esperar, os protestos populares se tornaram constantes. Milhões de brasileiros, cansados da embriaguez e da incompetência do desgoverno, tomavam as ruas. Mas o Egresso Etílico, em sua bolha alcoólica, via as manifestações como "festas de rua em honra ao grande líder", e em vez de ouvir as vozes das ruas e suas reivindicações, presenteava com garrafas de cachaça os manifestantes, na esperança de "acalmar os ânimos" da bananiama.

A imprensa, se dividia: uma parte fechava os olhos para os desmandos do batráquio-mor e tentava enfiar goela abaixo do povelo, um embrólhio que nem mesmo ela conseguia digerir. Era comum, às vezes, o tal discurso só descer com uns bons goles da marvada. A outra parte tentava a duras penas reportar o caos e era constantemente atacada pelo Sapo Cachaceiro, que a acusava de "espalhar fake news e invejar o sucesso da sua gestão". 

Ele ainda costumava afirmar que os tais jornalistas, não eram profissionais e os tratava como blogueiros, e ainda, que  eram os "inimigos da pátria, que não entendem a complexidade do processo de fermentação da democracia".

Os escândalos de corrupção pipocavam como bolhas de um canudinho soprado por uma criança hiperativa. O dinheiro público, que deveria ser usado para o bem-estar da nação, evaporava como álcool em um copo esquecido. O Sapo Cachaceiro, sempre com um sorriso que lhe cambaleava nos lábios e um olhar marejado, dizia que "tudo não passava de intrigas da oposição, que não aceitava o progresso da nação sob o seu comando".

A oposição, se é que algum dia existiu, por sua vez, estava dividida. Alguns, em vão, se esforçavam para argumentar com o Sapo Cachaceiro, enquanto outros, já desesperançosos, se juntavam à ciranda etílica, acreditando que "se não dá pra mudar, que ao menos se aproveite a dose". O país, refém do etilismo político, afundava, cada vez mais, tal qual Titanic, em um pântano de incertezas e desgoverno.

E assim, o Sapo Cachaceiro continuava a desgovernar a Banânia, um gole de cachaça por vez, enquanto o país esperava, com ansiedade primaveril, por um dia em que a ressaca coletiva fosse tão forte, que o anfíbio-chefe seria finalmente varrido do poder, e o país pudesse, finalmente, respirar um ar puro e sóbrio.

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