DOR COME: UMA CRÔNICA DA DOR

 (Tomada 2)

Uma crônica de Cao Benassi


Dois mil e lá vai tempo… 


- Olá, Cao!

- Quem é você?

- Ah, Cao… já estou com você há um tempão… e você não me reconhece? 

- Não!

- Tá certo, Cao; Vamos lá! Eu sou a sua dor, muito prazer!

- Que dor?! Eu conheço minhas dores… mas não reconheço você!

- Ai, Cao! Me poupe! Estou com você desde… 

- Desde… o quê?

- Deixa pra lá! Eu sou uma dor diferente, uma dor que você conhece bem: dor de amor! Prazer!


Atualmente… 


- Olá, dorzinha do meu coração!

- E aí, Cao: satisfeito?

- Abusada!

- Eu?! Você não aprende nunca, não mesmo… e o que eu tenho com isso?!

- Vai… tripudia… afinal de contas, eu mereço!

- Já te disse; larga mão! Mas você não me ouve! Tem que insistir em querer alguém para amar… toma: tá aí, de ressaca de novo!

- Mas eu nem bebi… juro!

- Ai; oh! Cao, essa sua literalidade… Deixa prá lá!


Dois mil e uns quase dez…


- Cao amor da minha dor… eu falei pra você não vir… ainda dá tempo, me tira daqui!

- Claudio, pode entrar!

- Oh-mi-nha-No-ssa-se-nho-ra-das-do-res-des-va-li-das: ele-não-me-es-cu-ta!

- Com licença?!

- Entra Claudio! E aí… como estamos? E as dores?

- Hum, não venha querer dar uma de receptiva não… sei muito bem quem você é! 

- Então… meu joelho inchou de novo… e as dores… bem as dores: já se tornaram minhas companheiras inseparáveis!

- Claudio; Claudio… o que você andou fazendo, hein? Olha… você não está tomando sua medicação corretamente?! Eu não quero nem saber disso, hein; senhor?! 

- Imagina: eu sou super disciplinado com meu tratamento!

- Cao, levanta… vamos embora, não dê ouvidos a ela!

- Claudio; Claudio… assim o espero! 

- Tô meio gorocotchô com tantas dores, doutora… e a medicação que não faz efeito… sei não viu!

- Gorô… o quê?

- Aí oh! Cao! Cao, essa daí quer acabar comigo! Cao, isso não vai ser bom pra você! Boa coisa não é, nem sabe o-que-que-é-esse?

- Gorocothô… pra baixo!

- Essa é nova pra mim! Tô achando que você está refratário ao MTX! Mas eu não quero mudar sua medicação. Não por enquanto… acho que vou aumentar a dose!

- Nãããããããããããããããããããããããããããããããããããããããããão!

- Por favor, quem sabe assim, funciona! São tantas dores que tô achando que a dor já virou irmã da minha esperança!

- Como assim, Claudio?!

- Então… sinto dor para ter esperança que a dor, irá passar! Como a dor não passa, perco a esperança para tê-la de novo, entende?!

- Ai, ai, ai… vocês das letras são complicados, hein?!  Me dê cá estes exames! Vamos ver… vamos ver… va-mos-ver; hummmmmmmmmmmmmmmm…

- Lá-lá-lá-ra-láááááááááááá-á!

- Ai, doutora! Não estou gostando… 

- Nem eu! Claudio, você estava só namorando a artrite, agora você se casou de vez! Com estes resultados, não tem como não dizer que você não ativou a doença.  

- Ai-meu-Pai-O-xa-lá!

- Cal-ma! Não é pra tanto. A artrite é uma doença complexa, porém os tratamentos disponíveis previnem os episódios de inflamação e as deformidades. É só tratar, que você ficará bem. 

- Bem?! 

- Sim, Claudio! Você não vai morrer com a artrite, mas com certeza, morrerá com ela! 

- Ha-ha! A se ela soubesse que será ela quem colherá as flores das minhas dores! Ha-ha-ha-ha-haaaaaaaaa!

- Vou prescrever um imunobiológico pra você! Se apegar com suas entidades pode ajudar. Mantenha a academia, uma boa dieta alimentar e o tratamento disciplinado: isso é essencial para você ficar bem! 


Atualmente


- Olá Cao! 

- Ah, não: você?! Hoje não, por favor, tá!

- Que isso Cao, até parece que eu tenho alguma coisa a ver com tudo isso!

- Por que você não desaparece, hein?! Ah, pô: preferiria muito mais as flores da artrite!

- Ah, Cao… não sejas cruel!

- Cruel?! Eu?! tudo o que vocês fazem é me maltratar, me debilitar, me arrancar do meu chão verde, e o cruel sou eu?!

- Sim, você! Coitadas das outras dores, estão todas malcambúzias por causa desta sua espetação… injeção pra lá.. injeção pra cá… uma furada aqui, outra furada lá… olha: isso dá samba!

- Era só o que me faltava!

- Ah, Cao: você gostou! Diz aí, eu sou boa, não?!

- Lógico que não! 

- Ai Cao, amor da minha dor! Essa sua literalidade: a pergunta era retórica!

- Tá certo!

- […] injeção pra lá.. injeção pra cá… uma furada aqui, outra furada lá: vai Cao; anime-se!

- Impossível!

- Que nada! Deitxá de bestadge! 

- Tô sofrendo… respeite!

- Tá afridgelado até amanhã! Depois, se eu bem te conheço, você bate as asinhas para o ninho de um outro kalahamsa qualquer!

- Vai… pisa… esmaga… cospe também!

- Ah, Cao… Caaaaaaaaaaaaaaaaaao-amor-da-minha-dor! Você nunca aprende, sempre querendo alguém para colher as flores da sua dor… sempre buscando alguém para regar você no seu chão verde… e-sempre-ficando-com-a-boca-do-pobre-que-come-com-amargor!


Divagação


- Gente, essa dor é tão carente

- Come tudo o que é atraente

- É uma dor absorvente

- Nada nunca é suficiente

- Come o amor que a gente sente

- Ela come eternamente

- No passado e no presente

- Ela está sempre descontente


Uma crônica de Cao Benassi

Todos os direitos autorais estão reservados ao autor

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