CONTOS DE TERREIRO N. 1

E SE FOSSE ASSIM?


Desde a primeira vez, que o Yawô de Lufã foi ao terreiro, eu já sabia que ele traria tempos de renovação, grandes provações e vitórias nas mesmas proporções.

Mas a maior supresa para todos no barracão, não seria o fato de que ele iria bolonar na primeira vez que pisou na roça.

O interessante, é que a Madrinha Bitá, a Ebame de Lufã, há muito tempo não virava mais, devido aos graves problemas articulares.

Neste dia, o Santo baixou, não só baixou, como dançou o seu xirê completo. Detalhe: na exata hora em que o Santo virou em Madrinha Bitá, o Yawô de Lufã bolonou.

Meses depois, apesar de simples, dada as condições financeiras do Dofono do Oxalá, a roda da sua saída foi algo tão grandioso, em termos de axé, que dificilmente alguém do ilê irá se esquecer desse dia.

A partir da sua iniciação, o dedicado Yawô ia periodicamente à roça, a fim de cumprir suas obrigações para com o seu Santo, e também estava sempre presente nas festividades e demais afazeres do terreiro.

Muitas coisas aconteceram até o Odu Etá do Dofono do Oxalá. A casa encheu de consulentes, aumentou o número de filhos, como também aumentaram os problemas e as rugas de preocupação, no rosto de Mãezinha de Odé.

No entanto, mesmo as brigas das filhas de Yemanjá e de Oyá, mesmo o arranca rabo da Ekedy de Oyá com o Ogã Alabê e outras quisilas da casa, nada se compararia ao que aconteceu no ano que o Yawô de Lufã tomou sua obrigação de três anos.

Com o passar do tempo, aquilo foi ficando rotineiro. O agora Ebome de Lufã já de posse do seu Deká, relembrava o acontecido que mudou a rotina do terreiro... ao menos nas ocasiões das festividades do Senhor do Bonfim.

- Já faz alguns anos que aquilo se repete. 

Lembrou o Ebomi de Lufã. A primeira vez que aconteceu, Mãezinha de Odé não acreditou. Na verdade, ninguém no terreiro acreditou. Até mesmo para o abian menos experiente, aquela cena era até então, impensada. 

Todos ficaram boquiabertos: aquilo nunca tinha acontecido antes! Mãezinha de Odé olhou o Yawô de Lufã, que se sentara  no  chão, praticamente aos seus pés, em silêncio. Todos retornaram para dentro da cozinha atordoados.

Os dias se seguiram e ninguém ousava tocar no acontecido, uma vez que, Mãezinha de Odé, descrente e sem saber o que fazer, simplesmente, se calara.

No ano seguinte, embora eu soubesse que o acontecido iria se repetir, todos ficaram atônitos quando, no dia do Senhor do Bonfim, o acontecido se repetiu. 

Era ainda manhã e Mãezinha de Odé tinha acabado de tirar Exú, os filhos ainda nem tinha lavado aos alguidares, quando o mesmo grupo apareceu na porteira da roça: tudo se repetiu, exatamente igual. 

Com a repetição, nos anos que sucederam ao acontecido, a roça inteira foi se acostumando.. Mãezinha de Odé, apesar de, sabidamente, não apreciar aquelas intervenções, sempre foi "simpática" com os "visitantes".

Passado o tempo, não tinha uma viva'lma no terreiro... e nem morta, que já não estava acostumada, a depois da tirada de Exú, no dia do Senhor do Bonfim, a ir para a porteira da roça, ver o acontecido se repetir.

De tanto se repetir, o acontecido acabou ficando meio que tradicional. Mas de fato... aquilo era chato demais!

Mãezinha de Odé já tentara algumas ações para dispesar o grupo: deixar oferenda na porteira da roça, tirar Exú na hora que o grupo chegou e até fazer corte na hora da lavagem... mas nada adiantou. 

Neste ano, com a proximidade das festividades do Senhor do Bonfim, sussurrei no ouvido de Mãezinha de Odé:

- Quando estiver próximo da hora que o grupo se reúne, inicie um candomblé!

- Yawô de Logun, chame o Alabê e o Assobá, chame também a Ekedy da Oyá e avise no grupo: amanhã tem roda... quero todo mundo na roça, no primeiro cantar do galo: diga que foi Seu Zé do Laço quem mandou!

Dito e feito! No dia seguinte, quando o grupo se aproximou, os tambores já estavam sendo rufados e o xirê já estava na terceira cantiga de Oyá! 

Porém nosso tiro saiu pela culatra! Ao invés de dispersar, o grupo adentrou a roça e barracão a dentro, se meteram na roda, deixando todo mundo sem acreditar que aquilo estava acontecendo!

Ao terminar o xirê, Mãezinha de Odé, desconcertada, agradeceu a presença de todos e abraçou ao padre! Na sequência, cumprimentou a um-por-um dos demais "visitantes"!

O padre tomou a palavra, agradeceu a "acolhida" e disse:

- A senhora e os seus filhos são muito bem-vindos para lavar conosco, a porteira do terreiro com água benta!


Contos curtos de Cao Benassi




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