Há certos fatos da vida, que dificilmente são esquecidos. Para mim, especificamente, que trago memórias de quando tinha ainda 2 aninhos de vida, aos 44 anos, a cachola está repleta de acontecimentos. Alguns desses, são cheios de afetividade, outros nem tanto. Alguns valem a pena ser lembrados, outros por mais que tente esquecer, insistem em ficar comigo, infelizmente.
A infância é, por certo, uma dessas memórias que é, como se fosse, um grande guarda-chuva que abriga muitas outras memórias, tanto as que valem a pena ser lembradas como também, aquelas que não se vão. Na minha infância, em virtude de minha família, no início, ter poucos recursos financeiros, eu tive acesso apenas a pequenos brinquedos de plástico, de madeira (que meu pai fazia) e, mais tarde, a pequenos brinquedos à pilha e aos bilangos.
Os brinquedos de plástico eram sempre pequenos, com exceção de um ônibus branco, que guardei durante muito tempo, até que numa noite escura de muito vento e chuva, o vento que entrava pelas frestas da parede de lascão da casa de pau-a-pique que morávamos, além de atiçar o braseiro do fogão, arremessou as brasas em cima do tal ônibus branco que estava perto dele.
Alguns desses brinquedos, eu os guardei até meus 21 anos de idade, época em que deixei o sítio e fui para a cidade, estudar. Lembro-me do aviãozinho que ganhei de Tia Mirico, quando tinha 4 aninhos e da felicidade que me trouxe. Só muito tempo depois, quase 40 anos, que fui aprender que isso não era felicidade, mas somente um estado de contentação, afinal de contas, a felicidade é um estado de espírito do homem que corresponde à sua verdadeira essência.
Outro brinquedo (de plástico) que não gosto muito de me lembrar, é do helicóptero dado por Dona Mamãe. Convém explicar que do brinquedo, gosto de me lembrar, do contexto em que o ganhei, não. Eu devia ter uns cinco ou seis anos de idade, não me lembro ao certo. Morávamos em Rolim de Moura (RO), e naqueles dias, o helicóptero do governo pousou na cidade. Ficamos em polvorosa, mas eu não consegui vê-lo, não me lembro o porquê.
Dias depois, Dona Mamãe me disse que tinha visto um helicóptero de brinquedo numa loja. Foi o suficiente para que eu adoecesse com vontade de ter o tal brinquedo, por isso, um dos meus apelidos de infância era “vontadinha”. Não me lembro o que minha mãe fez para comprá-lo, mas no dia em que a febre subiu, ela apareceu com o helicóptero na mão para a alegria e a cura da criança desejosa.
Ganhei de meu pai, um caminhão cara-chata de madeira, que ele mesmo fabricou. É grande e bonito, porém nunca recebeu uma demão de verniz ou de tinta, mas esse brinquedo é um dos meus xodós: o tenho até hoje. Tinha também, um caminhão boiadeiro azul e menor, que vivia travando as rodas, o que me irritava profundamente. Um dia, fiquei tão encolerizado, que peguei um bagaço de cana (resto da moagem de cana para fazer garapa e rapaduras), e quebrei o caminhãozinho. Com medo de apanhar e para ocultar o feito, escondi o boiadeiro quebrado na roça do Tio Marcos, que o encontrou e o entregou para papai. Meu pai não me castigou. Lembro-me que ele consertou o carrinho e o transformou num de carroceria normal.
Já na minha fase pré-adolescente, eu ainda gostava dos brinquedos. Devo confessar que brinquei de carrinhos até os 18 anos ou mais. Mas nessa fase, eles eram de plástico, mas com pilhas. Além desses, tínhamos também, o hábito de, de vez em quando, fazer bonecos com o rolinho do meio do papel higiênico (o interno que sobra quando o papel acaba). A gente chamava esses bonecos de bilangos.
Hoje, muito tempo depois, vivendo nesse contexto louco, insólito e desumano, no qual apenas um dos lados da dualidade (esquerda – direita), pode falar (e fala o que bem quiser, sem correr nenhum risco), enquanto o outro lado é tolhido de muitas de suas opiniões (que viraram crime sem estarem tipificadas em lei alguma), fico lembrando desses brinquedos e, mesmo não sendo ninguém na fila desse pão, depois de ter alguns vídeos removidos e outros impedidos de ser publicados, reflito sobre o quanto e em que medida, também somos brinquedos de pilha e bilangos.
Você caro leitor, deve estar estranhando o rumo que o assunto está tomando, mas é mesmo por esta senda que quero seguir, a do estranhamento e a da crítica. Se nos reportarmos ao contexto politiqueiro, sim isso mesmo, afinal de contas, político para mim, tem que ser na concepção platônica: o sujeito sai da escuridão, se ilumina com a verdade e volta para iluminar os que ainda jazem nas sombras. Já que na Tupiniquilândia é o contrário disso (o sujeito se emporcalha com a mentira e volta para jogar lama nos que estão abaixo dele), então politicagem e politiqueiros é o que temos.
Os brinquedos à pilha precisam de uma fonte de energia externa para funcionarem, ou seja, não possuem energia própria. Assim, só há funcionamento se algo de fora for capaz de alimentá-lo. Porém, para funcionar é preciso ainda, que alguém aperte o botão ligar. Ligado, o brinquedo irá fazer exatamente aquilo que foi programado, até que o sujeito que o ligou se enfade da brincadeira e o desligue.
É exatamente isso que vejo acontecer, no contexto politiqueiro tupiniquilandez. Ao nos impor politicagens que regulam nossas publicações, nossas postagens ou nossas opiniões, que com o advento da internet podem ser ouvidas, fazendo com que vozes dissidentes ou que veem as trincheiras de cima (dos que não se afundam num dos lados dela, como eu) ecoem, fazendo com que os problemas do cotidiano passassem a ser vistos de diversos ângulos e debatidos de diferentes perspectivas, o que incomoda (e muito), aqueles que manipulam a opinião e comercializam a transmentira, imbecilizando as massas, como é o caso da Rede Globo, que para mim, é legítima representante da masmídia (mídia de massa).
Ao criminalizar (sem que haja tipificação penal em lei alguma) a opinião, os manipuladores, os amos da caverna, lembrando Platão, cerceiam o direito à liberdade de expressão, o que pode levar ao silenciamento das vozes dissidentes ou daqueles que têm uma visão superior dos dois lados do espectro politiqueiro. É como se alguém quisesse desligar os brinquedos. O grande problema é que os dissidentes ou aqueles que se elevaram e se posicionam acima da trincheira, não se calam facilmente. Dificilmente, eles abrirão mão do seu centro para cederem às vontades nocivas dos manipuladores, dos formadores de opinião, dos amos da caverna.
Você pode já ter se armado contra mim, mas te peço calma: sim, concordo que liberdade de expressão não confere o direito de cometer crimes (contra a honra, por exemplo), mas para isso, temos tipificação penal, basta recorrer à justiça e ao direito. Ademais, você não precisa ser um brinquedo de pilha, né?! Se for, lembre-se que conheço e usarei o botão de desligar.
Pois é, desse jeito mesmo. Passarinhos de pilha! Há uma certa crueldade nesse tipo de brinquedo. Uma gaiola, um poleiro e um botão liga/desliga. O passarinho só canta, quando alguém aperta o botão, e dentro da gaiola. Caso ele seja retirado, não funcionará perfeitamente. Assim são os amos da caverna, ou melhor, os influenciadores e “jornalistas”, esses manipuladores que se arrogam os donos da verdade. Só falam quando são ligados e de dentro de suas bolhas. Um exemplo disso, é a moça global, que de celular na mão, sem checar, fala o que lhe chega pelo WhatsApp, é vergonhoso o canto dessa “ave de pilha”.
Ainda sobre os brinquedos, os bilangos nos divertiam, mas eram feios. Cinco rolos de papel higiênico, organizados em formato de corpo humano, encapados com tecido, normalmente bem florido, com olhos e boca sorridentes desenhados com caneta ou, às vezes, bordados à mão. A ideia é muito boa, gira em torno da reciclagem, ou seja, da transformação, do reaproveitamento. Ainda assim, os bilangos, que nos divertiam muito, eram muito feios.
Nosso contexto politiqueiro não é, em nada, diferente dos bilangos. Politicagem e politiqueiros (não ousaria dizer que há exceções, pois não tenho condições de uma investigação profunda para tal), são igualmente arrumadinhos, enfeitadinhos e perfumadinhos, mas no fundo, a gente sabe que são feios de doer. O pior de tudo, é a masmídia (os tais brinquedos à pilha, os passarinhos de gaiola) que faz o papel de arrumar o que não é arrumável, de enfeitar o feio e de perfumar o defunto. Mas uma coisa é certa, feito tudo isso e passado devidamente o pano, o bilango continua feio.
Essa arrumação, enfeitação e perfumação, tal qual a dos bilangos, pode nos dar a ideia de transformação do que não tem mais serventia, do que não tem mais valor, do que se tornou lixo em algo utilizável. A tal reciclagem, pode permitir uma reutilização, uma nova valoração, uma renovação do objeto em desuso. No caso dos bilangos, essa máxima é aplicável, mas no caso dos seres humanos, penso que a moral quando declina, é lixo radioativo: o destino deve ser apropriado. Esse tipo de lixo não pode ser coletado por catadores e manipulado sem os devidos cuidados. Cabe ressaltar, que quando se trata de votar, a sociedade coleta inconscientemente lixo altamente radioativo e reutiliza de qualquer maneira, por isso ela está tão doente.
Por fim, convém ponderar que ligar um brinquedo de pilha, brincar, se cansar da brincadeira, desligar e devolver o brinquedo para caixa, ao menos na minha infância, era algo que, embora fosse meio cruel, pois o passarinho estava sempre preso, não causava os estragos que os passarinhos da masmídia e demais manipuladores, causam na insólita realidade tupiniquilandeza.
Os bilangos, apesar de serem arrumadinhos, enfeitadinhos e cheirosinhos (sim, a gente cuidava bem), nos divertiam muito, até que nos cansávamos e eles eram devolvidos para a caixa. No contexto atual, os bilangos também são feios, porém aprenderam com It – a coisa, a estranha e cruel mania de fazer os menos favorecidos sofrerem, principalmente com o arroxo salarial e a perda do poder aquisitivo do nosso dinheiro.
Cao Benassi, 4 de jun. 2024
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